sábado, junho 25, 2005

Lispector




O Movimento Explica a Forma


“Descobri em cima da chuva um milagre – pensava Joana –, um milagre partido em estrelas grossas, sérias e brilhantes, como um aviso parado: como um farol. O que tentam dizer? Nelas pressinto o segredo, esse brilho é o mistério impassível que ouço fluir dentro de mim, chorar em notas largas, desesperadas e românticas. Meu Deus, pelo menos comunicai-me com elas, fazei realidade meu desejo de beijá-las. De sentir nos lábios a sua luz, senti-la fulgurar dentro do corpo, deixando-o faiscante e transparente, fresco e úmido como os minutos que antecedem a madrugada. Por que surgem em mim essas sedes estranhas? A chuva e as estrelas, essa mistura fria e densa me acordou, abriu as portas de meu bosque verde e sombrio, desse bosque com cheiro de abismo onde corre água. E uniu-o à noite. Aqui, junto à janela, o ar é mais calmo. Estrelas, estrelas, zero. A palavra estala entre meus dentes em estilhaços frágeis. Porque não vem a chuva dentro de mim, eu quero ser estrela. Purificai-me um pouco e terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva. Nesse momento minha inspiração dói em todo o meu corpo. Mais um instante e ela precisará ser mais do que uma inspiração. E em vez dessa felicidade asfixiante, como um excesso de ar, sentirei nítida a impotência de ter mais do que uma inspiração, de ultrapassá-la, de possuir a própria coisa – e ser realmente uma estrela. Aonde leva a loucura, a loucura. No entanto é verdade. Que importa que em aparência eu continue nesse momento no dormitório, as outras moças mortas sobre as camas, o corpo imóvel? Que importa o que é realmente? Na verdade estou ajoelhada, nua como um animal, junto à cama, minha alma se desesperando como só o corpo de uma virgem pode se desesperar. A cama desaparece aos poucos, as paredes do aposento se afastam, tombam vencidas. E eu estou no mundo solta e fina como uma corça na planície. Levanto-me suave como um sopro, ergo minha cabeça de flor e sonolenta, os pés leves, atravesso campos além da terra, do mundo, do tempo, de Deus. Mergulho e depois emerjo, como de nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que eu ainda não soube imaginar, mas que brotarão. Ando, deslizo, continuo, continuo... Sempre, sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fim. – Onde foi que eu já vi uma lua alta no céu, branca e silenciosa? As roupas lívidas flutuando ao vento. O mastro sem bandeira, ereto e mudo fincando no espaço... tudo à espera da meia-noite... – Estou me enganando, preciso voltar. Não sinto loucura no desejo de morder estrelas, mas ainda existe a terra. E porque a primeira verdade está na terra e no corpo. Se o brilho das estrelas dói em mim, se é possível essa comunicação distante, é que alguma coisa quase semelhante a uma estrela tremula dentro de mim. Eis-me de volta ao corpo. Voltar ao meu corpo. Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada e definida. Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade. Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. Também me surpreendo, os olhos abertos para o espelho pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, tanta coisa sempre silenciosa. Por que calada? Essas curvas sob a blusa vivem impunemente? Por que caladas? Minha boca, meio infantil, tão certa de seu destino, continua igual a si mesma apesar de minha distração total. Às vezes, à minha descoberta, segue-se o amor por mim mesma, um olhar constante no espelho, um sorriso de compreensão para os que me fitam. Período de interrogação ao meu corpo, de gula, de sono, de amplos passeios ao ar livre. Até que uma frase, um olhar – como no espelho – relembram-me surpresa outros segredos, os que me tornam ilimitada. Fascinada mergulho o corpo no fundo do poço, calo todas as suas fontes e sonâmbula sigo por outro caminho. – Analisar instante por instante, perceber o núcleo de cada coisa feita de tempo ou de espaço. Possuir cada momento, ligar a consciência a eles, como pequenos filamentos quase imperceptíveis mas fortes. É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo? – Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a forma brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas onde está o que quero dizer, onde está o que devo dizer? Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à espera da essência; é isso? – O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si? Utilizar-se como corpo e alma em proveito do corpo e da alma? Ou transformar sua força em força alheia? Ou esperar que de si mesma nasça, como uma consequência, a solução? Nada posso dizer ainda dentro da forma. Tudo o que possuo está muito dentro de mim. Um dia, depois de falar enfim, ainda terei do que viver? Ou tudo o que eu falasse estaria aquém e além da vida? – Tudo o que é forma de vida procuro afastar. Tento isolar-me para encontrar a vida em si mesma. No entanto apoiei-me demais no jogo que distrai e consola e quando dele me afasto, encontro-me bruscamente sem amparo. No momento em que fecho a porta atrás de mim, instantaneamente me desprendo das coisas. Tudo o que foi distancia-se de mim, mergulhando surdamente nas minhas águas longínquas. Ouço-a, a queda. Alegre e plana espero por mim mesma, espero que lentamente me eleve e surja verdadeira diante de meus olhos. Em vez de me obter com a fuga, vejo-me desamparada, solitária, jogada num cubículo sem dimensões, onde a luz e a sombra são fantasmas quietos. No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física. Se desse um grito – imagino já sem lucidez – minha voz receberia o eco igual e indiferente das paredes da terra. Sem viver coisas eu não encontrarei a vida, pois? Mas, mesmo assim, na solitude branca e limitada onde caio, ainda estou presa entre montanhas fechadas. Presa, presa. Onde está a imaginação? Ando sobre trilhos invisíveis. Prisão. Liberdade. São essas as palavras que me ocorrem. No entanto não são as verdadeiras, únicas, insubstituíveis, sinto-o. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. – Sou pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda. Procurar tranqüilamente admitir que talvez só a encontre se for buscá-la nas fontes pequenas. Ou senão morrerei de sede. Talvez não tenha sido feita para as águas puras e largas, mas para as pequenas e de fácil acesso. E talvez meu desejo de outra fonte, essa ânsia que me dá ao rosto um ar de quem caça para se alimentar, talvez essa ânsia seja uma idéia – e nada mais. Porém – os raros instantes que às vezes consigo de suficiência, de vida cega, de alegria tão intensa e tão serena como o canto de um órgão – esses instantes não provam que sou capaz de satisfazer minha busca e que esta é sede de todo o meu ser e não apenas uma idéia? Além do mais, a idéia é a verdade! Grito-me. São raros os instantes. Quando ontem, na aula, repentinamente pensei, quase sem antecedentes, quase sem ligação com as coisas: o movimento explica a forma. A clara noção do perfeito, a liberdade súbita que senti... Naquele dia, na fazenda de titio, quando caí no rio. Antes estava fechada, opaca. Mas, quando me levantei, foi como se tivesse nascido da água. Saí molhada, a roupa colada à pele, os cabelos brilhantes, soltos. Qualquer coisa agitava-se em mim e era certamente meu corpo apenas. Mas num doce milagre tudo se torna transparente e isso era certamente minha alma também. Nesse instante eu estava verdadeiramente no meu interior e havia silêncio. Só que meu silêncio, compreendi, era um pedaço do silêncio do campo. E eu não me senti desamparada. O cavalo de onde eu caíra esperava-me junto ao rio. Montei-o e voei pelas encostas que a sombra já invadia e refrescava. Freei as rédeas, passei a mão pelo pescoço, onde ainda escorria a água. Sentia o cavalo vivo perto de mim, uma continuação do meu corpo. Ambos respirávamos palpitantes e novos. Uma cor maciamente sombria deitara-se sobre as campinas mornas do último sol e a brisa leve voava devagar. É preciso que eu não esqueça, pensei, que fui feliz, que estou sendo feliz mais do que se pode ser. Mas esqueci, sempre esqueci.”


[Clarice Lispector, in Perto do Coração Selvagem, pp. 78-83]

sexta-feira, junho 17, 2005

Coisas que acontecem (sim, acontecem coisas)


Tem coisa que começa sem que a gente note, tão devagar que só notamos que alguma coisa está acontecendo quando nos apontam, nos dizem com todas as letras “algo está acontecendo com você”, dedos preocupados e duros a nos mostrar na cara onde é que está o erro. Posto que dificilmente notemos a coisa quando nasce, bem escondida como os filhotes dos peixes em um aquário, não temos muita responsabilidade sobre ela. Penso que não existe nenhum outro momento mais irresponsável na vida de uma pessoa do que este no qual as coisas estão apenas começando.

Constantemente Rubens me dizia “olha, tem alguma coisa”, com aquele ar misterioso das pessoas que não são propriamente inteligentes e se deixam intrigar por banalidades. Quando Rubens ficava quieto por muito tempo eu sabia que lá vinha, ele carregava a expressão e soltava seu “olha...” que eu fingia não ouvir; dava de ombros e virava para o canto, tornava a dormir sem pensar em nada.

Mas um dia tive que prestar atenção ao que ele dizia, até me censurei por não prestar atenção quase nunca, mas naquele dia a lembrança de Rubens me dizendo “olha...” veio com força, como se fosse o cenário ideal para o que estava acontecendo, e eu enfim começava a notar que algo acontecia de fato. Apesar de ter finalmente notado, mantive o ceticismo, porque não era fácil aceitar que aquilo estivesse acontecendo e que fosse o prenúncio de algo maior, muito ruim.

Hoje, olhando para aquele dia, fica um pouco difícil saber exatamente por onde a coisa começou, mas fazendo um esforço de memória (porque Rubens não está e não pode me ajudar) acho que foi a janela batendo, uma ventania destas que antecedem tempestades. Foi, sim, a janela batendo, o barulho, nunca suportei barulho e por isso nem filhos nem bichos, meus nervos sensíveis e o barulho da janela me sacudiu, bem me lembro, estava bordando borboletas em uma toalha amarela e usava a linha azul para fazer uma asa.

Então, a janela bateu, me sacudindo, como já disse, e por certo este foi o começo e dali até o instante em que me pus a pensar no que Rubens dizia, “olha, tem alguma coisa”, parece que foram semanas ou meses mas não, essas peças que a cabeça da gente nos prega quando as coisas que acontecem são muito elásticas e cheias de razões ou de não-razões, não entendo direito porquê as coisas aconteceram mas elas tinham que acontecer porque aconteceram, entende? O tempo é o diabo, me perturba um pouco, não consigo situar, eu não andava olhando para o relógio naquela tarde da tempestade e então que diferença faz, se dias, anos, horas?

Sei que a chuva caiu forte, janeiro doze, recordo até do cheiro da água batendo na terra, mas não do horário, decerto à tarde porque no verão as tempestades acontecem à tarde. Sim, agora sei que sentia a coisa que iria acontecer, chegando de manso, sim, eu sabia, por que não dizer? Hoje sei que sabia, mas naquele momento não sabia que sabia, não sabia de nada porque mal conseguia enxergar meu bordado, uma angústia pesada subindo pela garganta e então foi que espetei a agulha do bordado no dedo, acho que este foi o segundo pedacinho do quebra-cabeça dos fatos que estavam para acontecer e nessa altura (hoje, só hoje sei) eram inevitáveis.
Nesse dia em especial Rubens não falara comigo a manhã toda e ficara consertando o carro na garagem. Eu entendia o porquê do silêncio; a noite anterior e a briga feia, eu também não estava de conversa, mas não era só isso que me subia pela garganta, não, havia outra coisa subindo, um pouco mais dolorosa. O caso é que permaneci no meu lugar bordando e não almoçamos, me fiz de morta e quando a janela bateu espetei o dedo na agulha e levantei-me do sofá para procurar um band-aid.

Sabe quando as coisas acontecem de uma vez? Foi assim depois no final daquela tarde, a chuva já tinha passado, Rubens com toda certeza ficara embaixo do carro, a garagem coberta, ouvindo o estalar das gotas sobre a cobertura metálica e pensando que algo, algo acontecia ou estava para acontecer. No final daquela tarde foi que as coisas finalmente aconteceram e Rubens só poderia estar se referindo a isso, porque não havia outra coisa e não houve, para Rubens não houve realmente mais nada depois daquilo.

Não achei o band-aid, mas encontrei uns objetos tão estranhos na gaveta dele que na hora não pensei em nada, acho que perdi os reflexos, a capacidade de reagir. Era estranho que eu não reagisse e voltasse para o sofá, o dedo embrulhado num pedaço de pano e o sangue que não parava de escorrer, que lugar mais sangrento é a ponta de um dedo jovem! Talvez por isso eu não saiba dizer no relógio quanto tempo se passou; porque fiquei preocupada com o meu dedo e toda a minha atenção se voltou para o sangue que ia manchando o pano, uma gotinha aqui, outra ali.

Não demorou muito, acho. Sou saudável e o sangue parou de escorrer, mas ficou uma dorzinha aguda, um incômodo que eu trataria de esquecer porque só agora me lembro dele, fazendo um esforço grande. Fiquei andando pela casa e abri as janelas, chovia horrores, afinal um calorão o dia todo, minha mão suava enquanto eu bordava as borboletas, disso me recordo bem porque a agulha escorregava a todo instante. Aquela dor que subia, tão diferente da dorzinha na ponta do dedo, ia agora avolumando-se, criando contornos, transformando-se em um monstro de bestiário a sacudir minha embarcação em algum oceano distante dali, como se eu tivesse deixado de existir para ser outra pessoa, alguém longe que navegava em uma embarcação e cujo medo ali no meu sofá transformava-se em um monstro a sacudir a embarcação correspondente da minha outra pessoa correspondente.

Senti meu rosto avermelhar e arder. Não parecia fazer sentido, e a asa da borboleta no pano amarelo a perder a forma, pouco se me dava se estava ficando torta, eu não era boa bordadeira, nunca fui. E por tudo isso acho que houve um plano, como se Deus ou alguém invisível estivesse desenhando esse mapa porque não parecia lógico que assim fosse. Mas as coisas acontecem sem que a gente possa prever, apenas porque precisam acontecer, porque são o próximo ato no espetáculo e o diretor desta peça é tremendamente severo com seus atores, então não teve jeito e saí da sala, atravessei a cozinha, invadi o quintal. A chuva caía inclemente, o cheiro bom da terra refrescada, um verdadeiro alívio.

Sempre gostei de tomar chuva, e há anos não fazia isso. Gostoso. Caminhei lentamente pela grama, as gotas fortes, pesadas, estalando nas minhas costas; subia um vapor da grama, das pedras do jardim, do carro. Rubens estava sob o carro, pude ver as pernas dele apenas, joelho e panturrilha. Eu sabia o que fazer ali, naquele instante houve como que uma ordem, o ponto no teatro a nos dar a deixa quando nos desconcentramos e acabamos nos perdendo no texto e na ação a seguir, o desconcerto peculiar logo emendado pelo acerto que nos acalma, tudo tão rápido que o público sequer nota, só nós os atores depois da peça enquanto fumamos um cigarro na coxia e rimos dos enganos cometidos durante o espetáculo.

“Rubens”, chamei, e meu marido resmungou debaixo do carro, fez um som que não pude definir. “Rubens, por favor, venha até aqui, preciso que você veja uma coisa”, eu pedi, e então ele começou a se mover para sair. A chuva caía forte, lembro-me claramente de que estava descalça, e Rubens também estava descalço, é certo que estava, disso eu sei porque Rubens de pôs de pé e ao dar os primeiros passos apressados escorregou na mancha de óleo que vazava do motor do carro inerte na garagem. Eu não me movi, e por isso digo que sempre há um diretor a nos guiar, não me movi enquanto olhava curiosa para saber se óleo de misturava com sangue. Não misturava; acho que porque a chuva ia lavando o sangue e o óleo ao mesmo tempo, lavando o grito que perdurou por um segundo apenas, as roupas de Rubens estavam coladas ao corpo e um filete de sangue escorria da sua cabeça para o gramado.

Fiquei olhando por muito tempo, e daí soube que não tinha culpa, as coisas são o que são, engraçado que Rubens soubesse disso antes mesmo da janela que bateu com a força do vento, o prenúncio da tempestade. Entrei em casa, tomei um banho quente, tornei a abrir a gaveta, depois a fechei, e agora só me recordo de um homem me dizendo que não havia nada dentro da gaveta, que não podia ser, não podia ser, e me olhava com olhos maus durante todo o tempo em que permaneci sendo interrogada, disso pouco me lembro além do fato de haver uma gaveta vazia e fechada em algum dia, e em algum dia também uma embarcação cruzando um oceano qualquer.

[Marpessa]

quarta-feira, junho 08, 2005

A Julio







RADIOGRAFÍA DE JULIO CORTÁZAR
por Víctor Montoya

Abrigo la esperanza de que alguien pueda compartir conmigo la enorme impresión que causa esta fotografía encontrada en la vidriera de un hospital, donde algún admirador -o admiradora- de Julio Cortázar, luego de recortarla de una revista, la pegó cuidadosamente por las cuatro esquinas. Cuando la miré de cerca, absorto por la iluminación frontal que lo destaca tan vivamente, no resistí a la tentación de llevármela conmigo, dispuesto a describirla para quienes no la conocían. Empero, debo reconocer que no fue tarea fácil, sino un desafío contra la subjetividad que me acechaba a cada instante, pues pasé varias horas queriendo describirla, sin conseguirlo, y sólo quienes hayan pasado noches en vela, con una idea insistente que revolotea en la cabeza, comprenderán la desesperación que supone intentar atrapar las palabras exactas para describir una fotografía que de por sí es una poesía hecha de luz y de sombra.

Querido Julio, en esta fotografía, más que en ninguna otra, nos miras desde el fondo de tus ojos tiernos, mientras tu rostro, marcado por una profunda expresión de melancolía, nos inspira un súbito respeto y admiración por lo que fuiste en la sencillez y el silencio, circunstancias en las que aprendiste a comunicarte más con los gestos que con palabras, como todo gran escritor que manifiesta sus pensamientos y sentimientos a través de la palabra escrita, de esos pequeños grafemas que tú, desde niño, escribías con el dedo en el aire, como si se trataran de signos mágicos que nacían de tu imaginación o a partir de un palíndromo, donde la palabra Roma se leía amoR al invertirla.

Al contemplar intensamente esta fotografía, en la cual apareces con la melena y barba leoninas, crecidas con tanta rebeldía como las llamas de tu alma, te imagino en tu escritorio cual gigante perdido en el País de las Maravillas, escuchando las improvisaciones del jazz, leyendo los libros de tu preferencia o, simplemente, acariciando el lomo de tu gata Flanelle, cuyo ronroneo era la única música que rompía la monotonía del silencio.

Apenas miro tu jersey de mangas largas y cuello alto, te imagino en invierno, deslizándote por las calles mojadas de una ciudad grisácea, envuelto en una gran bufanda, y en verano, tendido a la sombra de un árbol, los ojos clavados en el vacío y meditando en la dimensión de tu obra, donde la fantasía y la realidad se funden como las dos caras de una misma medalla. A ratos, me parece oírte hablar con voseo argentino y erre afrancesada sobre Fidel y la revolución cubana, país donde redescubriste la alegría, la solidaridad, la espontaneidad y los temas latinoamericanos, tras haber pasado media vida en París, en esa ciudad que amabas y odiabas al mismo tiempo.

Cuando leí una de las cartas que le enviaste a Fernández Retamar -Director de Casa de las Américas (nuestra casa)-, me quedé sin aliento y con el corazón partido, ya que no me convencía cómo un cronopio de tu talla podía sentirse solo y extranjero en el barrio 15 de París, recluido en una casita alta y angosta como tu imagen. Mas recién ahora, al releer El perseguidor (ese excelente relato que te inspiró Charlie Parker, el famoso Bird, el jazzman que alucinaba con la droga y el alcohol, y hacía alucinar con el saxofón a los amantes de su música), puedo comprender el porqué de tu soledad y tu amor desmedido por la humanidad y sus asuntos, que la vida de Charlie Parker te enseñó a mirar por dentro, desde el fondo mismo del ser, y lejos de la superficialidad que nos corroe cada día. Asimismo, debo decirte que tu sensibilidad -o hipersensibilidad- de hombre de letras te llevó a tomar partido por la justicia social y la defensa de los procesos socio-políticos que expresaban el sentir popular; la prueba está en el compromiso que asumiste con la revolución cubana, con los acontecimientos de mayo del 68 en París o con la revolución sandinista, que tan bien la retrataste en tu Nicaragua tan violentamente dulce. Sin lugar a dudas, tu obra literaria se fundió con las luchas de emancipación desde cuando comprendiste que el socialismo democrático era la única alternativa histórica capaz de abolir la explotación del hombre por el hombre. Pero ahora que ya no estás entre nosotros, porque la muerte te privó de ver los bruscos virajes que se produjeron en el mundo, desde la caída del muro de Berlín hasta el trágico resurgimiento de los nacionalismos, sólo me cabe imaginar que tú no darías un solo paso atrás, convencido de que la humanidad no volverá la rueda de la historia y resistirá los embates del imperialismo como lo está haciendo Cuba, esa pequeña isla y esa gran causa que tanto amaste en vida.

Así, pues, querido Julio, ante esta hermosa fotografía que te retrata el alma de niño grande y bueno, constato una vez más que fuiste un cronopio de verdad, un ser magnífico cuyo espíritu era portador de los mejores valores humanos, un hombre en el cual se podía depositar toda la confianza del mundo como en una cajita que guarda los secretos más íntimos bajo siete llaves; es más, al mirar tus grandes manos pecosas, puedo también constatar que tus brazos de boxeador están aún dispuestos a batirse con los adversarios de los desposeídos en El último round, en ese round en el que te acompañaremos los hinchas de tu obra, que es tan grande como fue tu vida.