sábado, janeiro 06, 2007

Música

Fiz uma resenha a pedido dos Krias (www.kriasdekafka.v10.com.br). Eu gosto das músicas deles, especialmente das letras. Vejam aí:

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Rock e poesia, cuspida na cara
Falar de novas bandas no cenário atual é tarefa das mais difíceis, uma vez que há um derrame de novos grupos, vindos sobretudo da Inglaterra e Estados Unidos, que invadem rádios, revistas especializadas e MTVs mundo afora. A cada semana, uma nova salvação para o rock (ainda que saibamos que a maioria desses grupos não sobreviverá a uma audição mais acurada, confundindo-se uns aos outros, graças à seleção natural), mas só os mais “fortes” resistirão no mercado tempo suficiente para emplacar ao menos um segundo CD nas paradas.

No Brasil, bandas pipocam aqui e ali, representando os mais diversos gêneros e subgêneros, e o que é melhor, tentando sair da sombra das grandes bandas nacionais do passado. O rock nacional se complicou tremendamente: ao mesmo tempo em que surgem bandas que imitam o estilo e linha de composição de grupos internacionais, há aquelas que lutam por encontrar uma personalidade própria, ainda que não neguem influências e referências.

Krias de Kafka é um nome que remete diretamente ao escritor tcheco Franz Kafka, um dos maiores da literatura mundial, autor de obras como “A Metamorfose”, “O Processo”, “Colônia Penal” e “Carta ao Pai”, que revolucionou as letras no século XX devido à sua capacidade de assombrar a realidade com requintada visão do pesadelo cotidiano que habita o homem e suas profundezas – grande fonte de inspiração quando o assunto é o absurdo da condição humana, suas vicissitudes e facetas.

Mas há mais literatura por trás desta banda. Leminski, Haroldo de Campos e Drummond também fazem parte do caldeirão. Krias de Kafka é brasileira, e compõe em português – o vocalista e letrista Mateus Novaes, poeta inédito e beberrão convicto, despeja versos como “um ódio calmo me toma conta na hora do jantar / e não me sinto especial por isso”, ou “depósito/ de carne/ macilenta / mais ossos / que sonhos”, ou ainda “substitua meu sorriso desorientado/ por algo mais palpável / suponha-me outro, melhor/ com novos hábitos”, em melodias inspiradas em bandas como Sonic Youth, Pixies, Joy Division, Velvet Underground, Nirvana, Radiohead. A mistura funciona: André Linardi (guitarra solo) e Paulo Vinicius (guitarra base e violão elétrico), o baixista Valdir Martinez, Lucas Novaes (teclados, guitarra e violão elétrico) e o baterista recém incorporado à banda, André Okuma, conseguem obter uma mistura única, que ora remete à depressão suicida altamente refinada, ora à euforia punk primal, chegando por vezes a ser lírica e apaixonada. Não falam de amor diretamente: o enterram sob as palavras. Nada menos emocore do que “o banco do ônibus é macio/ O sofá de casa é macio / o abraço da mulher amada é macio / um desespero macio /( sem perfume ) / elevando a gravidade a mil”.

E bem que estamos precisando de um pouco de crueza que vá além do punk rock, que nos faça pensar. Um estágio intermediário entre o poema e a porrada, entre o amor e o desespero. Krias de Kafka nos oferece isso. Mas não vá buscar significado nos nomes das músicas: eles não têm significado algum; são escolhidos ao acaso – um dado interessante, em se tratando de uma banda que labora, além dos acordes, as palavras.