segunda-feira, agosto 23, 2004

Três meninos

São três garotos idiotizados caminhando pela avenida. Lembram os três ratos cegos, com um quê de sordidez. Olham para o chão e parecem trigêmeos, frutos de uma gestação doente, talvez miserável e fraca. Caminham com uma segurança de quem é aleijão e tem que aprender a cuidar de si, andar, comer, falar, ir ao banco, lidar com a troça alheia, com o desprezo dos saudáveis, com o riso e o espanto das crianças. Estão dolorosamente seguros por um cruel senso de sobrevivência – a prova maior de que Deus é mau.

Também eles são só crianças, doze anos, treze, mas podem ser mais velhos, um ligeiramente maior do que o outro, e estão sempre juntos. Passam todos os dias no mesmo horário – ou serei eu que estou sempre no mesmo lugar, na exata hora em que aqueles três meninos passam com suas sobrancelhas grossas e unidas e os seus cabelos iguais?

Primeiro vi os rostos e depois o olhar para baixo, a cabeça inclinada em um ângulo artificial, pendendo suavemente. Hoje os ouvi falar, mas não entendi uma palavra porque só falam entre si. Isso porque têm a mesma sina, além da mesma origem. A pele deles é manchada como se carregassem vermes; a coluna, arqueada como se andassem com o peso de se refletirem todo o tempo, um morando no interior das deficiências do outro para sempre. Parece improvável que se separem algum dia. Vivem idênticos e morrerão idênticos, talvez no mesmo desastre de trem, ou padecendo da mesma enfermidade. O caso é que não posso escapar da observação. Em um primeiro momento parecem ser hostis; depois, são apenas meninos tortos e, no instante seguinte, voltam a ser hostis – por causa das sobrancelhas unidas, do erro três vezes repetido, o mesmo erro, no mesmo lugar, no mesmo ovo, no mesmo ventre da mesma mulher. Cabeças pendendo amarelas. Os cabelos também são os mesmos, escuros e foscos, cortados por mãos muito inábeis...Como se eles não precisassem ficar bonitos porque nunca serão bonitos e retos, coluna no lugar, olhos crucificados no horizonte, no caminho que seguem todos os dias, não se sabe para onde vão, nem o que levam nos bolsos sujos das calças de malha...

Um deles veste a camisa de um time de futebol, mas tenho certeza de que ele não torce para esse time, e nem acredita nele. Todos rotos, manchas marrons no peito e o amarelo da pele manchada de vermes. São meninos delgados que andam em trio olhando para o cuspe negro, os papéis e os vestígios de droga e de misérrima solidão.

Ofendem a minha vista, os três meninos reféns dos vermes. Apáticos e de olhos fundos, íris nadando em um globo estourado em veias azuis, antigas veias, antiga esclerótica amarelenta e endurecida pelo que olham – nunca levantam a cabeça, porque não podem ou porque não há nada para se ver além do buraco na calçada, dos sapatos melados de barro e tristeza, da água empoçada e das fezes dos cães que também seguem olhando para o chão.

[Marpessa]

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