segunda-feira, agosto 23, 2004

Do colapso humano

Vivemos em um período de transição de um mundo escuro para um mundo ainda mais escuro. Inseridos em uma faixa vibrante e caótica de atos e informações, jogados de cá para lá como partículas em um acelerador subatômico, e o final da experiência é a explosão. A faixa vibrante e caótica é iluminada aqui e ali por fogos fátuos, ensaios de luz que mais confundem do que esclarecem. Somos enganados o tempo todo; corremos para um porto seguro, constatamos: não é aqui!, e tornamos a correr, e de novo não é para onde queremos, não encontramos o que procuramos, especialmente, e creio que este é o ponto, porque não sabemos o que estamos tão avidamente perseguindo. Somos levados a não saber; as escolhas tornaram-se muitas e mais amplas do que nossa capacidade humana de escolher. Este é o verdadeiro drama individual de nossa época, a angústia além dos povos, dos governos, dos sistemas, o drama egoísta produzido por nossos próprios mecanismos egoístas. Chega a ser risível: tanta comunhão, tanta conjunção, as fronteiras derrubadas, o demônio/anjo da comunicação sem limites, o fim das barreiras! Tudo para que nos atiremos a esmo no vazio do auto-desconhecimento.

Ignoramos o interior para atender ao exterior – que é o que ocorre com o indivíduo quando levado cegamente a lutar por uma causa que não é e jamais seria a “sua” causa, como nos regimes totalitários. E as buscas tendem a ser, para sempre, insatisfatórias e perigosas, acumulando em seu bojo todo tipo de doença e vício. Essa velocidade é a coisa mais nociva que já criamos, apesar de gostarmos dela. Adoramos a Grande Teia e nela depositamos todas as nossas esperanças, sejam elas de cunho prático ou não. Nos conforta saber que estamos a segundos de qualquer lugar; nos apavoraria imaginar a qual distância estamos de nós mesmos.

Basta, para comprovar isso, analisarmos a história do século XX. Como foi este período? O mundo se acelerou graças às revoluções sociais, culturais, tecnológicas e ideológicas. Aconteceram coisas demais para um único século, mais do que foi vivido em um milênio inteiro. O colapso, portanto, me parece inevitável e iminente – natural, eu diria. Nos aproximamos do mundo para fugirmos dos nossos Eus, como a pessoa que sabe que é um monstro, e esta é a pedra de toque do colapso. Estamos sempre olhando pela janela, esperando por algo que nunca chega.

[Marpessa]

Um comentário:

marcio castro disse...

as aberturas do mundo nos tornam seres mais individualistas. separarmos para pensar, isto pode ser uma contradição.
louco, né?