Querido Arreola:
...Falo da alegria em ler seus contos. Primeiro às pressas, depois devagar, tomando meu tempo e sobretudo dando-lhes, aos contos, seu próprio tempo, que necessitam para amadurecer na sensibilidade de quem os lê. Você já percebeu que um dos problemas mais temíveis dos contos é que os leitores tendem a lê-los com a mesma velocidade com que devoram os capítulos de um romance? ... O resultado é que os contos se esquecem logo... Não deveríamos fundar uma escola para a educação de leitores de contos?... Já é hora de que nas universidades se crie a cátedra de contos, como costuma existir a de poética. Que coisas estupendas podiam ser ensinadas nessa cátedra! Antes de mais nada, os primeiros colaboradores da cátedra (como alunos ou professores) deveriam ser os próprios contistas.
É curioso que muitos deles jamais refletiram sobre o gênero. Não falo da reflexão estilística, pois não é imprescindível, mas sim da meditação básica, na qual colaboram em partes iguais a inteligência e o plexo, e que deveria mostrar ao contista os riscos de seu território. Sua complicada topografia, e a responsabilidade que isso implica... E me parece que o melhor de Confabulario e de Varia invencion nasce do que você possui e que Rimbaud chamava le lieu et la formule, a maneira de pegar o touro pelos chifres e não, ai, pelo rabo como tantos outros que entopem as gráficas deste mundo. E por isso acabo de ler seus contos – e reler os que mais gosto – e depois super lê-los, que consiste lê-los na lembrança –, e estou contente... Gosto de sua brevidade narrativa, me assombra o que você consegue com tão pouca matéria verbal... Por exemplo, quando você escreve “O Rinoceronte”, basta-lhe a primeira frase (que perfeita!) para que a gente esqueça que está sentado numa poltrona... “Durante dez anos lutei com um rinoceronte; sou a esposa divorciada do juiz McBride"...
Seu amigo, Julio Cortázar
[de uma carta de Julio Cortázar a Juan José Arreola, 20 de setembro de 1954]
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