segunda-feira, agosto 23, 2004

O Relógio

Relógio! Deus sinistro, hediondo, indiferente,
Que nos aponta o dedo em riste e diz: “Recorda!
A Dor vibrante que a lama em pânico te acorda
Como num alvo há de encravar-se brevemente;

Vaporoso, o Prazer fugirá no horizonte
Como uma sílfide por trás dos bastidores;
Cada instante devora os melhores sabores
Que todo homem degusta antes que a morte o afronte.

Três mil seiscentas vezes por hora, o SegundoTe murmura:
Recorda! - E logo, sem demora,
Com voz de inseto, o Agora diz: Eu sou o Outrora,
E te suguei a vida com meu bulbo imundo!

Remenber! Souviens-toi! Esto memor!(Eu falo
Qualquer idioma em minha goela de metal.)
Cada minuto é como uma ganga, ó mortal,
E há que extrair todo o ouro até purificá-lo!

Recorda: O Tempo é sempre um jogador atento
Que ganha, sem furtar, cada jogada! É a lei.
O dia vai, a noite vem; recordar-te-ei!
Esgota-se a clepsidra; o abismo está sedento.

Virá a hora em que o Acaso, onde quer que te aguarde,
Em que a augusta Virtude, esposa ainda intocada,
E até mesmo o Remorso(oh, a última pousada!)
Te dirão: Vais morrer, velho medroso! É tarde!”


[Charles Baudelaire]

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