segunda-feira, setembro 13, 2004

dentro da poeira espessa que assentou sobre teu corpo enquanto dormias eu me movo, arquiteto essas armadilhas e me surpreendo nas tramas impostas, conluios que fazes contra mim nas grades do sono que não te aprisionam, não vês assim, mas que te protegem de mim, prestímano desse amor, deixas escorrer sobre mim um véu de poucas verdades, enquanto distancias a si mesma de cada gesto ou se deixa levar inquisidora a propósito de um feitiço carnal, cavalgando sonâmbula e maldita no dorso possante desse corpo ficcional que possui a maior e mais gratificante das promessas de não ser eu mesmo, minha saliva tu disseste te inunda a boca como coriza, não te beijo então, assinto, e se antes te identificavas acomodada num vinco perdido no mais secreto da minha mão, agora somente sinto na ponta dos dedos a sutileza dos teus poucos pêlos atiçados e eriçados, traidores maléficos na profundeza de mais um sono em que os venenos são outros, o sexo é grosso, a fricção te arde até as pálpebras e cada veia dilatada te promove novos vagidos de torpeza e rancor, esgares de prazer que se combinam diante da minha frieza espantada, eu espreitando corpo de pessoa alguma, eu sozinho numa distância exata para que me seja possível sentir todo o gosto a sede a saudade intoxicada por essa maldade, sob os meus olhos, entre nós acentuam abismos e encandeiam funduras, vomitando fogo e ódio da mesma boca que me negas reprovativa e desafiadora como a nítida transformação ao perceberes que estás num sonho perdida, enigmática boca granítica ao mais ínfimo sinal da minha aproximação, ou mesmo ainda dentro do sonho minha voz agora pedinte ao teu ouvido mascarando todo o fracasso chorando e te dizendo que amo, como se tu tivesses ainda a flor purpúrea entre as virilhas e o lírio adormecido adornando braços e faces, ordeno infame que nos demos uma chance, a minha voz ameaça, e vejo a tua queda nesse flanco aberto do próprio horror, eu adivinho o futuro, e vendo toda a pobreza do desgaste do tecido inicial transformando-se em estopa suja ensanguentada, ainda assim meu amor, sou incapaz de me desfazer desfeito da linguagem de quando te percebia a longo passo a te negares inicialmente a mim sem que um gesto meu fosse jamais reprovado, eu somente escrevia gritava e lançava, como lanço agora, palavras ao vento, dizendo sempre menos que senteciando acordos e largando feitiços e promessas, largando correntes arrastadas na cabeceira da tua cama, atando punhos e tornozelos, a se confirmarem válidas no trinco ecoante do travo de cadeados indestrutíveis, artífice de uma palavra não mais que magia, negra talvez, tímida prisioneira em andares de poesia, habituei-me ao canto pernóstico como quem se habitua à imagem negra e infiel da completa desestruturação, ruímos, destruímos, decaímos, no entanto beleza irretocável, discurso diariamente ao teu ouvido, te amo como quem quer preservar a beleza da flor no cimo da vida, mesmo se agora somente possuo o granuloso, e por ti nutro essa piedade, trancafiada, te finges liberta e me excluo, sonhas meu anjo, sonhas, não te deixo enfim morrer, para que não desacredites ser capaz de habitar num rutilante negror o amor que o meu canto por ele um dia te encantou.

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alguma coisa diferente assentou quando você não esteve mais
permanência
que funcione te pensar agora espero que te pensando simplesmente se faça possível alguma magia e diálogo entre nós dois
laços sejam feitos
sem que eu possa te comunicar tudo
não te dizendo
afinal palavras são meu pretexto
me livra um pouco ao menos dessa histeria em vaziez, sopesando ilusionista artífice da palavra inquietude e
carinho na asa da tua mão
mas e se você não me escuta? inalterada presença
enquanto você provavelmente dorme, eu converso com você e te peço ajuda
um amparo, escuta
não precisa resposta.

compreende eu estar fracassando sem saber me manter quieto motivado dentro do sopro escuro da noite povoada pela tua introversão muda, certamente, também num sonho guardado. assim como a falta agora reflete o avesso do teu corpo. como se te despindo te despedisse. ausência sentenciando as partes. desejo mata o corpo da gente, sabe? toda as noites tem sido isso? quando é noite me vejo diante do cinza escuro de um leito seco e de uma ponte que não liga margens. no fundo o trinar insistente e vivo de insetos correndo sorrateiros pelas beiradas do sono. madeira podre e ressequida. sozinho amplifico amar. suturo ausências. sou capaz de delinear contorno e espessura dessa oquidão.

você me falta.

[Victor, friend of mine, que me estarrece com seus escritos]


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