terça-feira, setembro 14, 2004

Sleepyhead

O relógio toca.

Não quero levantar.

Toca de novo.

Penso Go to the Hell, horário matinal, quero ficar aqui. Lá fora tem muita gente, muito frio, estou no útero do edredom azul e é aqui mesmo que pretendo permanecer ATÉ que eu me canse ou precise atender a alguma necessidade física.

Só que – eis o problema – o relógio está alheio a tudo. Ele não se importa. É um mecanismo apenas, e se ele tocou, veja só você, é porque foi programado para isso. Naturalmente, por você mesma.

E por isso mesmo ele toca mais uma vez. E eu o desligo mais uma vez. A quem estou enganando, não é mesmo? Ele vai continuar tocando de dez em dez minutos, pelo menos enquanto eu não tomar a providência de desligá-lo definitivamente. Só que este relógio é a força que me faz arrastar o corpo, primeiro os pés, depois as pernas, enfim estou sentada sobre a cama, tonta e perdida, para ficar de pé, cambalear até o chuveiro e começar a viver. Eis o motivo; dependo dele. Sem ele não serei nada mais do que um corpo enterrado sob o edredom. Sem ele não conseguirei tornar-me alguém, começar o dia, dar alguns passos para diante, cumprir minhas obrigações, ganhar meu dinheiro.

Pois bem: está frio do lado de fora do edredom e meus olhos continuam pesadíssimos. Os músculos estão completamente adormecidos, apesar da mente já estar relativamente alerta.

Mais uma vez, o relógio.

Fico imaginando, do fundo do meu travesseiro, o dia idiota que terei. Falar, oh, Deus, falar com tanta gente e decidir tantas coisas para atender aos desejos dos outros, e cumprir tarefas mecânicas que me desanimam, ou tarefas cerebrais que me enlouquecem. Tarefas são tarefas, e existem para serem cumpridas da melhor maneira possível. E eu tenho, eu preciso, eu devo levantar desta cama quente e macia, tenho que sair daqui.

Mas tudo isso que sigo pensando só faz chumbar meu corpo ainda mais. Estou pregada no colchão.

Dispenso a tarefa de viver este dia. Não vale o esforço.

Quase adormeço. Mas o alarme soa novamente. Estou começando a me atrasar. Perco-me em desolação – agora terei de correr para chegar a tempo. Tempo? Eu jamais chego a tempo. Estou sempre e permanentemente atrasada porque não me agrada a idéia de sair da cama. Porque sempre acontece de eu me perder em considerações sobre a necessidade de enfrentar cada dia, naquela mesma hora – porque pelo menos não pode ser mais tarde? Além disso, o corpo não pensa. Ele permanece onde está, enquanto a mente sofre e debate e tenta e empurra e joga e nada consegue.

Luta inglória. Não adianta. A briga é outra. Pobre relógio. Tão útil, tão importante, e agora estou querendo quebrá-lo.


[Marpessa - experimento antigo que era para ser outra coisa e deu nisso aí]

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